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FPB

Tentarei aqui contar um pouco da minha história de vida, de como foi e ainda é minha experiência diante de um diagnóstico que me acompanha há tantos anos e espero que possa contribuir para outras pessoas conviverem com tudo isso.

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Tenho 44 anos e minha história começa aos 14 anos. Sempre fui uma pessoa sensível, delicada, amorosa e que apreciava o lado bom de tudo. Mas aos poucos minha alegria de viver foi perdendo o sentido, pois percebia que meus sonhos não seriam possíveis, diante do que ouvia das pessoas próximas e até da minha própria família. Eu sonhava em ser Bióloga, era fascinada pela natureza e pelos animais, muito estudiosa desde cedo. Também adorava esportes, praticava e tinha desde jovem um estilo próprio. Era bem alta e magra. Desejava praticar esportes pelo resto da vida.

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Aos 14 anos, meu pai decidiu que eu estudaria em um colégio técnico, o curso de Administração de Empresas, pois isso me prepararia para o mundo profissional e ele acreditava que eu estaria bem encaminhada. Também era conveniente pois tinha sido a escolha de minha irmã mais velha, seria prático irmos juntas, um único local para pagar meus estudos e de valor acessível que permitia a ele prover.

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No segundo ano já não tinha mais vontade de estudar, e vendo frustrada minha escolha de cursar Biologia, decidi parar de estudar. Entrei em uma depressão profunda, parei de comer e perdi muito peso, perdi cabelos e fiquei praticamente anoréxica.

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Minha mãe muito aflita me levou à vários médicos, até que um deles começou a introduzir muitos remédios, sem nenhum tipo de diagnóstico, o que me levou a dormir 18 horas por dia. Mais preocupada ainda, minha mãe me levou a um cardiologista da família que ficou perplexo com os medicamentos que eu tomava e pediu ao médico um laudo, o mesmo se retirou do caso, pois disse que não tinha mais a relação médico-paciente estabelecida, desta forma o cardiologista foi suspendendo a medicação e eu fui gradativamente melhorando.

 

Aos poucos fui retomando minha vida, voltei a estudar, trabalhar e fiquei bem até os 19 anos, quando minha personalidade notavelmente tinha mudado. Tornei-me mais rebelde, respondia de pronto as pessoas, não engolia mais desaforos, fiquei bem agressiva verbalmente, sendo que me tornei o contrário do que era. O lado meigo e carinhoso deu espaço a uma pessoa bem mais direta e pouco tolerante. Foi então que minha mãe me levou para ser atendida em  uma triagem de pacientes no Hospital das Clínicas de SP, no IPQ - Instituto de Psiquiatria.

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Eu fui muito nervosa, contrariada, fui entrevistada por uma médica e eu estava muito agressiva, respondia de forma grosseira, pois não concordava em estar ali, eu acreditava que eu havia mudado, não queria mais ser carola, boba e tinha todo o direito de ser diferente.

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Como a médica percebeu meu estado, sugeriu que eu participasse de um estudo e passasse a tomar Haldol. Eu fiquei mais revoltada e disse que eu não era cobaia. Algum tempo depois, fui diagnosticada com Transtorno Bipolar, mas muito baseada na impressão que minha mãe relatava aos médicos, era sempre ela quem falava e ela quem era ouvida, algo que sempre me revoltou com o IPQ. O paciente não tem voz, o que importa é o que os familiares dizem, mesmo que eles provoquem sua atitude e você se revolte, eles são sadios e você é doente.

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Comecei a fumar, a sair a noite, queria ser livre. 

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Tive um relacionamento que durou até meus 21 anos, era muito feliz e fazia planos de me casar. De uma hora para outra meu namorado disse que não gostava mais de mim. Terminamos o relacionamento e eu demorei a aceitar.

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Foi quando resolvi viajar para Porto Seguro, era a comemoração dos 500 anos do Brasil e eu estava muito animada para curtir a viagem. Resolvi sair do hotel a noite e fui até a famosa Passarela do Álcool. Nunca bebia, não gosto de álcool, mas haviam várias barraquinhas que serviam bebidas e os vendedores ofereciam. Aquilo parecia ser muito bom e resolvi experimentar uma bebida doce.

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Nesta ocasião eu já tomava, muito contrariada, estabilizador de humor e a combinação com a tal bebida me fez muito mal. Desmaiei e fui atendida no quarto do hotel.

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Depois disso, no meu retorno para São Paulo, comecei um quadro depressivo, pedi ajuda a minha mãe, que me levou ao HC no IPQ e fui orientada a ser internada. Seria minha primeira internação. O HC não era bonito e moderno como é hoje, aliás era horrível. Me senti pior ainda. Acuada, presa, abandonada. Foi então que, em um dos plantões noturnos, conheci o pai do meu filho. Eu estava muito dopada, não lembro de muita coisa.

 

Quando tive alta começamos a nos envolver e encontrar. Um relacionamento curto, mas engravidei. Jamais ele poderia ter se envolvido com uma paciente, além de não querer levar adiante o relacionamento, fui mãe solteira, tive um parto difícil e tudo que veio depois sozinha, tendo até que deixar que meus pais criassem meu filho por falta de estrutura emocional e financeira.

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Em resumo, o tempo passou, o diagnóstico permaneceu, tive no total 6 internações, todas obrigada, sendo contida, agredida. Nunca com meu consentimento.

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Tudo ocorria, no entendimento de todos, como crises de mania, quando eu interrompia a medicação. Eu interrompia pois queria me dar uma chance, eu estava bem sempre, trabalhando, evoluindo e queria tirar os remédios pois não acreditava neste diagnóstico. E sempre tive a teoria, até confirmada por outros médicos, que eu entrava em crises pois o meu corpo estava acostumado com estas drogas e a abstinência causava isso.

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Reconheço que nestas vezes eu ficava muito ansiosa e com sintomas de mania, mas sempre defendi que não era doente, pois nunca fui ouvida, sempre falaram aos médicos por mim. Eu nunca tive voz ou validação dos meus sentimentos.

 

Após  muito sofrimento, ter engordado mais de 40 quilos, por conta de tanta química e mudanças hormonais, ansiedade, etc. Em 2019 resolvi deixar o tratamento ambulatorial no HC, aquele local só me trouxe traumas. Se eu for descrever aqui tudo o que passei e como fui tratada neste instituto, muitos não acreditariam. Diferente do que dizem, este local está longe de ser referência em saúde mental  na América Latina.

 

Procurei um psiquiatra particular, meu filho na ocasião com 18 anos, resolveu me ajudar. Acreditamos demais neste profissional. Ele prontamente mudou toda a minha medicação, passando de 2 para 5 tipos de medicamentos que eu deveria tomar diariamente. Eu tinha muita esperança. Ele introduziu modernos estabilizadores de humor e remédios para emagrecer e parar de fumar. Imprudência total dele que fui confirmar mais tarde, após a pior crise de mania, seguida de episódios psicóticos que eu viria a ter. Fiquei sabendo que, jamais, ele poderia ter feito essa combinação.

 

Eu achava que estava sendo seguida, que a polícia ia me prender. E como eu já tinha sido internada à força pela minha família (algo que vim descobrir mais tarde que era proibido) eu tinha pavor de ambulância.

 

Procuramos juntos, eu, minha mãe e meu filho, o atendimento do Pronto Socorro do CAISM, lá sim eu me senti acolhida. O médico de plantão ficou preocupado com meu estado e sugeriu uma internação em caráter de observação. Caso eu não permanecesse bem eu seria de fato internada. Fiquei muito triste por estar ali. Acompanhada por pessoas com patologias mentais de fato graves. Mas aguentei firme, pois admitia que não estava bem. Tinha muita raiva do médico, que causou esse estado. Depois de 3 dias, os médicos decidiram que eu não era caso de internação, que deveria ir para casa.

 

Foram longos meses de angústia, aos poucos a nova medicação foi se ajustando, eu consegui superar, mas um longo período de depressão me acompanharia.

 

Procurei uma ONG, fui muito bem atendida, me indicaram  uma psicóloga voluntária com que sou atendida até hoje. Fiz atendimento com Terapeuta Holístico, que também mantenho atendimento particular até hoje.

 

Atualmente moro com meu filho, hoje com 20 anos, ele retornou para minha casa este ano. Sempre morei sozinha, desde a primeira internação. Então todos os piores momentos foram sozinha.

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Eu trabalho na área comercial de uma empresa, tenho um cargo de Supervisão, mesmo nunca tendo conseguido fazer minha faculdade.

 

Embora minha vida tenha sido muito interrompida, traumática, eu sigo com esperança de ser feliz, de encontrar um grande amor e ser correspondida, de emagrecer e voltar a ser magra e bonita como um dia fui. E sigo nesta luta, não desisto desses sonhos.

 

Gostaria sinceramente que ninguém, ou até mesmo quem lê meu depoimento, passasse tanto sofrimento como foi a minha vida. E ficamos nos perguntando porque isso tudo acontece, pois eu era pura, doce, feliz e tinha uma vida linda pela frente.

 

Talvez um dia, eu descubra uma forma de ajudar as pessoas a realmente nunca viverem o que eu vivi, ou possa amenizar o sofrimento delas.

 

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